O atendimento a crianças com traumatismos na dentição decídua requer uma abordagem diferente daquela utilizada na dentição permanente, isso porque existe uma relação muito próxima entre o ápice do dente decíduo afetado pelo trauma e o germe do dente permanente sucessor. Precisa ser considerado as possíveis sequelas nos dentes permanentes e avaliar o tipo de tratamento a ser instaurado, bem como as sequelas tardias do trauma Para decidir o tratamento, precisam ser levadas em conta a idade e maturidade da criança, sua capacidade de cooperação em situação de emergência e a oclusão que a criança apresenta.

A falta de selamento labial e excessiva sobressaliência → fatores predisponentes ao trauma na dentição decídua.
Consulta
Exame geral 
Deve-se observar:

  • Lesões extrabucais (mento, face, cabeça)
  • Lesões na pele e no rosto: encaminhar paciente para cirurgião plástico.

Diante de quadro de traumatismo dentoalveolar, o Ministério da Saúde recomenda, quanto à profilaxia antitetânica,

  • façam limpeza e desinfecção da lesão com soro fisiológico e solução oxidante
  • debridamento da ferida, quando necessário.



Exame Radiográfico

É necessário considerar a idade da criança e o tipo de trauma. Devem-se verificar:

  • Estágio de erupção dentária;
  • Grau de rizólise dos dentes decíduos;
  • Grau de rizogênese do dente permanente;
  • Fragmentos em tecido mole;
  • Presença de fraturas ósseas ou dentárias;
  • Espessura da dentina remanescente entre a linha de fratura e a polpa coronária (fratura coronária);
  • Reabsorções radiculares;
  • Tamanho da câmara pulpar;
  • Deslocamentos intrusivos e extrusivos;
  • Relação entre os deslocamentos intrusivos do dente decíduo e os germes dos sucessores permanentes;
  • Presença de outras alterações patológicas na área.

Exame clínico intrabucal

Limpam-se e examinam-se os tecidos moles. Deve-se constatar:

  • se os tecidos moles estão afetados pelo trauma e qual a sua extensão;
  • se os dentes apresentam fratura, mobilidade ou deslocamento;
  • se o tecido ósseo contém fratura;
  • se a oclusão está normal, pois isso indicará se ocorreram deslocamento dental e fratura óssea;
  • a não realização de testes de percussão e vitalidade.

Lesões traumáticas aos tecidos dentários

Trinca de esmalte → Sem perda de estrutura dental.
Tratamento: fluorterapia
Prognóstico: favorável

Fratura de esmalte → Perda de estrutura dentária restrita ao esmalte.
Tratamento: quando envolve apenas esmalte, um eventual desgaste e polimento do dente com o intuito de evitar lacerações nos tecidos moles (lábio e língua) é suficiente. Indica-se aplicação de flúor no dente fraturado. Pode-se também restaurar, mas geralmente evitam-se desgastes adicionais;
Prognóstico: favorável
Fratura de esmalte e dentina → Perda de estrutura dentária restrita ao esmalte e à dentina, sem exposição pulpar.
Tratamento: observa-se radiograficamente a relação da fratura com a câmara pulpar para decidir sobre a necessidade de proteção do complexo dentinopulpar com hidróxido de cálcio. Se houver colaboração, restaurar com resina composta. Se não houver, CIV é indicado;
Prognóstico: favorável
Fratura de esmalte e dentina com exposição pulpar → Perda de estrutura dentária restrita ao esmalte e à dentina, com exposição pulpar.
Tratamento: o tratamento vai depender de uma série de fatores, tais como extensão da fratura, grau de desenvolvimento dental (grau de rizogênese ou rizólise), momento em que ocorreu o trauma (se a busca pelo tratamento foi imediata ou tardia) e grau de colaboração da criança;
Prognóstico: favorável, se observadas as condições ideais
Fratura coronorradicular → Solução de continuidade que envolve esmalte, dentina e cemento, sem envolvimento pulpar.
Tratamento: depende da extensão subgengival e segue os mesmos princípios da fratura coronorradicular sem exposição pulpar, todavia, neste caso, o tratamento pulpar se faz necessário e a abordagem é semelhante à da fratura coronária com envolvimento pulpar;
Prognóstico: favorável, desde que sejam verificadas as indicações ou contraindicações da restauração (2 mm aquém da margem gengival) e da terapia pulpar (estágio de desenvolvimento dentário adequado);
Fratura de raíz → Solução de continuidade que envolve esmalte, dentina, cemento e polpa.
Tratamento: depende da localização (terços apical, médio ou cervical) e direção da linha de fratura (orientação transversal ou longitudinal):
Prognóstico: as fraturas transversais no terço apical têm prognóstico mais favorável que as demais;
 Lesões traumáticas aos tecidos de sustentação
As lesões aos tecidos de sustentação estão envolvidas na maioria dos traumatismos que ocorre na dentição decídua, pois há alta prevalência de deslocamentos dentários em razão da maior resiliência do osso alveolar.
Concussão 

Traumatismo de pequena intensidade que envolve hemorragia e edema do ligamento periodontal, porém sem ruptura de fibras.

Subluxação
Traumatismo de intensidade baixa a moderada que provoca ruptura de algumas fibras do ligamento periodontal e leva à mobilidade sem provocar deslocamento dentário. Sangramento no sulco gengival pode estar presente.

Luxação lateral
Trata-se de traumatismo de maior intensidade que leva a deslocamentos dentários nos sentidos palatino, vestibular, mesial ou distal.

Luxação intrusiva
Também denominada intrusão, é o deslocamento dentário para o interior do seu alvéolo. É considerada grau I (suave) quando mais de 50% da coroa fica visível, grau II (moderada) quando menos de 50% da coroa pode ser vista e grau III (severa) quando há intrusão total da coroa.
Luxação extrusiva
Também denominada extrusão, é o deslocamento parcial do dente para fora de seu alvéolo.
Avulsão

Também denominada luxação total, é o deslocamento completo do dente para fora de seu alvéolo.
→ Contenção

Auxilia na manutenção da posição de repouso, o que ajuda no reparo do feixe vasculonervoso e das fibras periodontais. Quando a contenção é recomendada, deve ser colocada no terço médio da face vestibular dos dentes traumatizados e adjacentes envolvendo dois dentes de suporte de cada lado.

As mais usadas são as que empregam fios de náilon ou de aço fixados aos dentes com resina composta. Podem ser flexíveis, com fios de náilon que variam do n.o 70 ao 80, e geralmente são utilizadas quando há lesões nos tecidos de sustentação.

Lesões de tecido mole
Os traumatismos em crianças são frequentemente acompanhados de lesões em tecidos moles como gengiva, mucosa alveolar, freios e bridas, lábios e pele.

  • Laceração: perfuração por objetos cortantes que mostra solução de continuidade.
  • Contusão: hematoma provocado por impactos com objetos rombos que leva a hemorragias e edemas com mucosas íntegras;
  • Abrasão: ferimento em que há remoção de camada superficial de tecido, deixando a gengiva áspera e sangrante.






Orientação aos pais

  • Higiene bucal
  • Protetor labial
  • Dieta leve
  • Restrição do uso de mamadeiras e chupetas
  • Alerta-se sobre eventuais alterações nos dentes decíduos
  • Possíveis sequelas aos dentes permanentes associadas a traumatismo dental no decíduo também deverão ser informadas
  • Exames de controle

Repercussões do trauma para dentes decíduos

A hiperemia pulpar é a primeira reação da polpa em resposta ao trauma sofrido e está presente mesmo em traumatismos de pequena intensidade.

A descoloração coronária é a sequela mais comum na dentição decídua e pode ser transitória ou acompanhar o dente até a esfoliação. Tons amarelados ou brancos opacos geralmente estão relacionados a obliterações (calcificações) do canal pulpar, caracterizadas pela deposição de tecido mineralizado no interior do canal radicular. Apesar da obliteração do canal radicular, é normal esses dentes sofrerem rizólise. Já as colorações acinzentadas ou azuladas que ocorrem logo depois do traumatismo são decorrentes de hemorragia pulpar, causada por ruptura dos capilares, o que leva ao extravasamento de eritrócitos e, por consequência, à pigmentação.

A retenção prolongada, em que não acontece o processo fisiológico de rizólise na raiz do decíduo; aqui a exodontia deve ser realizada.

As reabsorções dentárias são divididas em internas ou externas e estão ou não ligadas a outras alterações, como a necrose pulpar. Em casos de reabsorções leves, apenas o acompanhamento radiográfico está indicado. Em situações mais severas a exodontia é indicada.

A descoloração, se isolada de outros sinais, não sugere tratamento endodôntico, que só será feito em casos de necrose pulpar ou infecções associadas.

A anquilose dental (reabsorção substitutiva) também pode ocorrer em razão da progressiva substituição de tecido dentário por tecido ósseo.

Referência: Revista RSBO –  Dentoalveolar trauma in the primary dentition
Estela Maris Losso, Maria Cristina dos Reis Tavares, Fernanda Mara de Paiva Bertoli, Flares Baratto-Filho

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